COLUNA FACMA
| UM SONHO EPISCOPAL NO MARANHÃO
28.mar.2025
O surgimento do ensino superior no Maranhão é uma história marcada pela atuação da Igreja Católica, pela esperança em tempos melhores e pelo gesto corajoso de homens que sonharam além do seu tempo. Dom João José da Mota e Albuquerque, durante o discurso de instalação da Fundação Universidade do Maranhão, em 27 de janeiro de 1967, afirmou: “estamos vivendo esta hora grandiosa de um consórcio original e pioneiro: a Igreja e o Estado dão-se as mãos para a multiplicação de suas forças, em ordem ao bem comum” (Mota, 1967, p. 3). Era o reconhecimento de que, naquele momento, a então Universidade Católica do Maranhão, que havia sido administrada pela Sociedade Maranhense de Cultura Superior (SOMACS) de 1961 a 1966, cedia seu lugar para a criação da Fundação Universidade do Maranhão, embrião da atual Universidade Federal do Maranhão.
Para Dom Mota, este gesto representava uma realização concreta da luz do Concílio Vaticano II, que impulsionava a Igreja a se integrar cada vez mais ao mundo moderno, colocando o Evangelho a serviço do homem (Mota, 1967). Nas palavras do arcebispo, “a Universidade Católica se deixa morrer para dar vida a outra Universidade” (Mota, 1967, p. 5), pois a Igreja do Maranhão, em profunda comunhão com o governo e a sociedade civil, entendia que era preciso abrir novas portas de esperança para o povo. E em um gesto de humildade e fé, abria mão de sua obra para plantar as sementes de um futuro promissor.
Como declarou ainda Dom Mota: “A outros pertencem o mérito e as glórias” (Mota, 1967, 3), isso porque, esse movimento, que hoje pode ser lido como um dos grandes marcos da educação maranhense, foi possível graças ao idealização e à atuação de Dom José de Medeiros Delgado. A história do ensino superior no estado, portanto, não se explica sem reconhecer que foi, antes de tudo, um sonho episcopal.
A chegada de Dom José de Medeiros Delgado a São Luís do Maranhão, em setembro de 1951, representou um novo capítulo para a Igreja e para a sociedade local. Nascido em 1905, formado em filosofia e em teologia em Roma, Dom Delgado havia desenvolvido, desde sua juventude, uma profunda consciência da importância da educação como instrumento de transformação social. Durante seu episcopado em Caicó-RN e depois como arcebispo de São Luís, seu compromisso com a formação educacional e com a ação social da Igreja tornou-se uma marca de sua missão pastoral.
Ao assumir a Arquidiocese, Dom Delgado encontrou um Maranhão profundamente marcado pelo analfabetismo e por desigualdades extremas. Diante dessa realidade, Dom Delgado vislumbrou a educação como caminho de emancipação e esperança. Como destaca Ana Lúcia Sousa, sua preocupação não se restringia apenas à formação do clero, mas se estendia à formação da juventude maranhense em geral. Através de sua visão ampla e articulação estratégica, Dom Delgado começou a construir as bases para uma revolução educacional no Maranhão: a fundação da Sociedade Maranhense de Cultura Superior (SOMACS), em 1955.
A SOMACS nasceu com o objetivo claro de promover a cultura superior no estado, mediante a criação de museus, bibliotecas, teatros, faculdades e, sobretudo, de uma universidade católica. Inspirado pela tradição da Igreja como berço das primeiras universidades do mundo, Dom Delgado defendia que "uma Universidade Católica, longe de ser uma excentricidade, está nos rumos de quem fundou as primeiras universidades do mundo” (Carta Episcopal, 1960 apud Tajra, 1985). Deste sonho e desta fé nasceu a primeira Universidade do Maranhão, fruto da ação da Igreja e da esperança de um novo tempo.
A fundação da SOMACS foi passo decisivo para a concretização do ensino superior no Maranhão, como uma sociedade civil, sem fins lucrativos, a Sociedade reunia não apenas a Arquidiocese de São Luís, mas também as demais dioceses do estado, em um esforço coletivo de promover a cultura e a educação superior.
O objetivo da SOMACS era ambicioso: criar e manter uma universidade que pudesse servir como instrumento de transformação social, cultural e espiritual no Maranhão. Para Dom Delgado, uma universidade católica seria a expressão concreta da missão educadora da Igreja, não como imposição de uma fé, mas como serviço à verdade e à dignidade humana. Como declarou em sua Carta Episcopal de 1960: “A ciência, a arte e a técnica não valem como católicas, mas enquanto verdadeiras e voltadas para o serviço do homem.” (Mohana, 1978, p. 198).
Foi com essa visão que Dom Delgado articulou a união das faculdades existentes em São Luís: a Faculdade de Filosofia , a Escola de Enfermagem São Francisco de Assis , a Escola de Serviço Social e a Faculdade de Ciências Médicas . Essas instituições, que atuavam de forma isolada, foram reunidas sob a iniciativa da SOMACS para formar a primeira Universidade do Maranhão, oficialmente fundada em 18 de janeiro de 1958.
Embora o desejo inicial fosse nomeá-la Universidade Católica do Maranhão, a instituição foi reconhecida pelo governo como Universidade do Maranhão, sendo qualificada como "Universidade Livre" pelo Decreto nº 50.832 de 22 de junho de 1961. A partir daí, a SOMACS tornou-se a mantenedora oficial da Universidade, com Dom Delgado como seu primeiro chanceler.
A fundação da Universidade do Maranhão não foi apenas um ato institucional. Ela foi, acima de tudo, um ato de fé na capacidade do povo maranhense de se emancipar pelas vias da educação, um gesto profético que buscava criar uma geração de líderes, profissionais e cidadãos capazes de transformar a realidade dura e excludente que então predominava.
Dom Delgado via a universidade como parte de um projeto maior de promoção humana e social. Em carta ao Padre João Mohana, médico, sacerdote e posteriormente professor do Centro de Estudos Teológicos do Maranhão, Dom Delgado descreveu todo o complexo de iniciativas que a Igreja vinha desenvolvendo: cooperativas, missões rurais, a Rádio Educadora, o Banco Rural e, sobretudo, a Universidade — tudo articulado para construir “um complexo estruturado a serviço do maranhense inteiro, buscando democratizar os direitos humanos” (Mohana, 1978, p. 196).
No coração desse sonho, estava a convicção de que a educação superior deveria ser integral: voltada tanto para a formação científica quanto para a formação humana, capaz de preparar lideranças para todos os níveis da vida.
O sonho episcopal iniciado por Dom Delgado, no entanto, precisaria passar por uma dura e nobre transição. Apesar dos esforços, as dificuldades para manter a Universidade do Maranhão foram se acumulando. Em meio a um contexto nacional de expansão do ensino superior público, o Governo Federal, atento às necessidades do Maranhão, aceitou a proposição da SOMACS da criação de uma fundação pública que pudesse absorver a Universidade e dar-lhe novos horizontes.
Assim, em 1966, foi promulgada a Lei nº 5.152, que instituiu a Fundação Universidade do Maranhão como entidade autônoma, dirigida por um Conselho Diretor. A nova fundação teria como finalidade implantar progressivamente a Universidade Federal do Maranhão (UFMA), agregando os cursos e as estruturas até então mantidas pela SOMACS.
A SOMACS renunciou aos seus direitos sobre os cursos implantados e cedeu seus bens à União. Era o fim da mantença da primeira Universidade Católica no Maranhão, mas também o início de um novo e promissor capítulo para a educação superior no estado.
Durante a solenidade de instalação da Fundação, Dom Mota afirmou que, “A Universidade Católica se deixa morrer para dar vida a outra Universidade [...] Não pretendemos aplausos a esse gesto de despojamento total.” (Meireles, 1977, p. 348) que seria o primeiro sinal da concretização do ideal conciliar, no qual a esperança era a primeira e a última palavra. Ainda de acordo com Dom Mota, o mérito seria dado pela história.
A esperança havia sido o motivo fundador da Universidade e deveria continuar sendo seu sentido motivador. Mesmo diante dos desafios, a verdadeira missão era plantar sementes que germinassem no tempo, confiando que o futuro, embora incerto, seria moldado pelo trabalho de muitos. A educação superior no Maranhão, assim, nascia da coragem, da renúncia e da visão profética de homens que buscaram a edificação de um projeto coletivo, destinado a transformar a sociedade maranhense por meio do saber.
Mesmo com a entrega da Universidade do Maranhão ao Governo Federal, a Igreja não abandonou seu compromisso com a educação superior. Pelo contrário, reconhecendo a necessidade de espaços próprios para a formação sacerdotal e a educação integral de novos líderes cristãos, a Arquidiocese de São Luís, por meio da SOMACS, lançou novas iniciativas.
Em 1976, foi criado o Centro de Estudos Teológicos (CET), oferecendo cursos de Teologia para seminaristas e leigos. Na década de 1980, a expansão do projeto levou à fundação do Centro Teológico do Maranhão (CETEMA), que passou a oferecer também cursos de Filosofia e Ciências Religiosas, ampliando seu alcance educativo.
Essas ações mantiveram vivo o sonho episcopal de Dom Delgado: formar agentes de transformação social, ancorados na fé e na educação. O CET e o CETEMA tornaram-se, assim, pontes para a criação de uma nova instituição superior católica no estado.
Em 1999, o CETEMA foi reestruturado e passou a se chamar Instituto de Estudos Superiores do Maranhão (IESMA), com o objetivo de integrar seus cursos ao Sistema Federal de Educação e obter o credenciamento do Ministério da Educação (MEC). Sob a liderança de Dom Paulo Eduardo Andrade Ponte e a direção do Frei Pedro Antônio Zanni, o IESMA conquistou o reconhecimento dos cursos de Filosofia (em 2005) e de Teologia (em 2006), consolidando um projeto iniciado décadas antes.
Em 2024, o IESMA foi renomeado oficialmente como Faculdade Católica do Maranhão (FACMA). A nova denominação reafirma a identidade confessional da instituição e retoma o desejo original de Dom Delgado de criar uma universidade católica no Maranhão, atualizando sua missão de promover um ensino de excelência, fundamentado na tradição educacional da Igreja. Essa transformação expressa, de forma eloquente, que o sonho episcopal que inaugurou o ensino superior no Maranhão continua vivo — amadurecido, expandido e renovado pelas novas gerações.
A Faculdade Católica do Maranhão (FACMA) representa hoje a herança viva de um projeto de fé e cultura iniciado há mais de sete décadas. Consolidando-se como a missão de formar pessoas comprometidas com a transformação da sociedade a partir dos valores cristãos. Dessa forma, mais do que transmitir conhecimentos técnicos, a FACMA propõe uma educação humanista, voltada para a construção de uma sociedade plural, justa e solidária, sendo não apenas uma herdeira do sonho de Dom Delgado — mas uma continuação viva desse sonho. Um sonho que permanece ancorado na esperança, sustentado pelo trabalho coletivo e orientado por uma visão cristã do ser humano e do mundo.
A história da Faculdade Católica do Maranhão é a história de um sonho que nasceu do coração da Igreja e se enraizou no solo maranhense como uma semente de esperança. Um sonho que atravessou gerações, desafiou limites, enfrentou crises, mas que nunca perdeu sua direção: colocar a educação a serviço da dignidade humana, do bem comum e da construção de uma sociedade mais justa e fraterna.
Dom José de Medeiros Delgado, Dom João José da Mota e tantos outros homens e mulheres que se dedicaram à educação superior no Maranhão entenderam que a verdadeira grandeza não está na preservação de obras institucionais, mas na coragem de abrir mão delas para dar vida a algo maior. Ao deixar a Universidade Católica morrer para fazer nascer a Universidade Federal, a Igreja deu um testemunho de fé no futuro e de compromisso com o povo maranhense.
Hoje, a Faculdade Católica do Maranhão carrega essa memória viva, sendo um testemunho histórico e espiritual de que a educação pode — e deve — ser instrumento de transformação pessoal e social. A cada aluno formado, a cada projeto de extensão realizado, a cada pesquisa desenvolvida, a FACMA reafirma o valor da esperança como força motriz de sua missão.
Num mundo marcado por polarizações, desigualdades e desafios, a Faculdade Católica se coloca como espaço de encontro, diálogo e construção do saber, fiel à sua identidade confessional e ao mesmo tempo aberta às exigências do mundo contemporâneo. Desse modo, o ensino superior no Maranhão, ontem inaugurado como um sonho episcopal, permanece hoje como um sonho vivo e em construção, alimentado pela esperança.
Autor:
prof.hugo@facmaedu.com.br
